O conto literário
A história do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esboçar a partir deste critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e sua transmissão oral. Depois, seu registro escrito. E posterior- mente, a criação por escrito de contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário.
A voz do contador, seja oral ou seja escrita, sempre pode interferir no seu discurso. Há todo um repertório no modo de contar e nos detalhes do modo como se conta— entonação de voz, gestos, olhares, ou mesmo algumas palavras e sugestões —, que é passível de ser elaborado pelo contador, neste trabalho de conquistar e manter a atenção do seu auditório.
Estes recursos criativos também podem ser utilizados na passagem do conto oral para o escrito, ou seja, no registro dos contos orais: qualquer mudança que ocorra, por pequena que seja, interfere no conjunto da narrativa. Mas esta voz que fala ou escreve só se afirma enquanto contista quando existe um resultado de ordem estética, ou seja: quando consegue construir um conto que ressalte os seus próprios valores enquanto conto, nesta que já é, a esta altura, a arte do conto, do conto literário. Por isso, nem todo contador de estórias é um contista.
Estes embriões do que pode ser uma arte só se consolidam mesmo numa obra estética quando a voz do contador ou registrador se transforma na voz de um narrador: o narrador é uma criação da pessoa; escritor, é já “ficção de uma voz”, na feliz expressão de Raúl Castagnino, que, aparecendo ou mais ou menos, de todo modo dirige a elaboração desta narrativa que é o conto.
Estes modos variados de narrar por vezes se agrupam, de acordo com alguns pontos característicos, que delimitam um gênero. Se apresentam algumas tantas características, podem pertencer a este ou àquele gênero: podem ser, por exemplo, romances, poemas ou dramas. Convém considerar que esta “classificação” também tem sua história. Há fases em que ela se acentuou: a dos períodos clássicos, por exemplo (a Antigüidade greco-latina, a Renascença) em que há para cada gênero um público e um repertório de procedimentos ou normas a ser usado nas obras de arte. E há períodos em que estes limites se embaralham, em que se dilatam as possibilidades de misturar características dos vários gêneros e atingir até a dissolução da própria idéia de gênero e de normas: é o que acontece progressivamente do Romantismo até o Modernismo.
O limite dos gêneros torna-se um problema. Lembre-se ainda que houve um tempo em que vários modos de hoje comungavam num mesmo gênero, sem especificações. Isto gera algumas confusões, que se refletem na terminologia.