Como escrever um bom conto: Poe, Cortázar e Borges
Escrever um conto é construir um relâmpago.
Ele não se alonga como o romance, nem se dilui como a crônica — é uma explosão breve, total, que ilumina o instante com precisão cirúrgica.
E essa precisão tem mestres: Edgar Allan Poe, Julio Cortázar e Jorge Luis Borges.
Cada um deles, à sua maneira, pensou o conto como uma forma de arte absoluta — condensada, densa e reveladora.
1. Edgar Allan Poe — a arquitetura do efeito
“A short story must produce a single effect on the reader.”
(Um conto deve produzir um único efeito no leitor.)
Unidade de efeito
Para Poe, o conto é uma experiência planejada para causar uma impressão única — seja terror, melancolia, arrebatamento ou surpresa.
Tudo deve servir a esse efeito: personagem, ritmo, vocabulário, cenário e final.
Além disso, não há espaço para ornamentação ou digressões.
O conto deve ser lido de uma só vez, num fôlego, mantendo o leitor submisso à emoção pretendida.
Exemplo:
Em The Tell-Tale Heart, o som do coração, o foco narrativo e a claustrofobia convergem para o efeito de paranoia. Nada sobra, nada falta.
Planejamento consciente
Poe via o escritor como um engenheiro da emoção.
Antes de começar, o autor deve saber aonde quer chegar e construir cada elemento para conduzir o leitor até o desfecho.
Portanto, o efeito vem antes do tema: primeiro define-se a sensação, depois os eventos que a sustentam.
Economia e coesão
Cada palavra é uma engrenagem.
A linguagem deve ser medida, musical e coesa.
Mesmo em prosa, Poe via o conto como um poema disfarçado — e o ritmo era parte do feitiço.
Essência da poética de Poe
Um único efeito, total e concentrado.
Leitura ininterrupta.
Planejamento racional.
Final inevitável.
Musicalidade verbal.
Em resumo, o conto, para Poe, é uma máquina perfeita de produzir emoção.
2. Julio Cortázar — a intensidade como forma
Se Poe é o arquiteto, Cortázar é o boxeador.
Para ele, o conto não se mede em páginas, mas em impacto.
“Um romance vence por pontos; o conto vence por nocaute.”
O instante de epifania
Charles Kiefer mostra como Cortázar amplia a teoria de Poe ao introduzir o conceito de esfericidade — a sensação de totalidade em um espaço mínimo.
Um bom conto é aquele que prende o leitor até o último parágrafo e o deixa atordoado, como quem acorda de um sonho lúcido.
A tensão e o real insólito
Cortázar acreditava que o conto devia captar o momento em que o real se fissura — quando o banal se abre para o estranho.
Não se trata de fantasia gratuita, mas de revelar o insólito contido no cotidiano.
Assim, o escritor deve perseguir a intensidade e o mistério da experiência, não a sua explicação.
Rigor e energia
Cortázar herdou de Poe o rigor formal, mas injetou nele vida, imaginação e vertigem.
Ele defendia que o conto nasce de uma tensão entre o que se diz e o que se cala — e que a omissão é parte da força narrativa.
Essência da poética de Cortázar
O conto é uma esfera perfeita: nada entra, nada sai.
Deve atingir o leitor de forma imediata e duradoura.
A brevidade é um recurso de intensidade.
O mistério é o motor da narrativa.
Portanto, o conto, para Cortázar, é um estado de encantamento lúcido.
3. Jorge Luis Borges — a mente como labirinto
“El arte consiste en eliminar.”
Se Poe constrói e Cortázar pulsa, Borges pensa o conto.
Sua poética, espalhada por ensaios e prólogos, transforma o gênero numa forma de pensamento em miniatura.
A arte de eliminar
Borges via o conto como a forma mais pura da literatura, porque condensa o mundo em um só gesto intelectual.
Para ele, o segredo está na omissão: a perfeição vem do corte.
Cada frase deve ser necessária — tudo o que sobra enfraquece o assombro.
O escritor como artífice
“El arte de narrar no consiste en contar lo que ha sucedido, sino en hacer creer que sucedió.”
Borges rejeita o realismo e o sentimentalismo.
O conto não deve refletir a vida, mas inventar uma realidade mental.
A emoção nasce da ideia, não da psicologia.
É o território do símbolo, do espelho, do duplo, do infinito.
A totalidade em poucas páginas
Para Borges, o conto é uma miniatura do universo: um fragmento que contém o todo.
A brevidade é uma forma de eternidade — cada conto é uma parábola do próprio ato de criar.
O enredo é o pretexto para um pensamento, uma hipótese, um paradoxo.
O leitor como cúmplice
O conto borgeano exige um leitor ativo, capaz de completar os vazios e decifrar os labirintos.
Assim, o sentido não está na história, mas no diálogo silencioso entre autor e leitor.
Essência da poética de Borges
O conto é uma ideia tornada forma.
A beleza nasce da estrutura, não da emoção.
Cada elemento é simbólico.
A leitura é uma parceria de inteligência.
Por fim, o conto, para Borges, é um espelho onde a mente se reconhece como ficção.
Literatura essencial para entender o conto
Se você quer estudar o conto a fundo — como forma, intensidade e pensamento — leia estes três mestres:
Edgar Allan Poe – The Philosophy of Composition e Review of Hawthorne’s Twice-Told Tales
Julio Cortázar – Do conto breve e seus arredores (reunido em Valise de Cronópio)
Jorge Luis Borges – El arte narrativo y la magia, Prólogo a Ficciones e Otras inquisiciones
Eles formam um triângulo perfeito: Poe constrói, Cortázar vibra, Borges reflete.
Três modos de compreender o conto — como estrutura, como experiência e como pensamento.
Como aplicar no seu próprio texto
Etapa | Pergunta que o escritor deve se fazer
Efeito (Poe) | Que sensação única quero provocar?
Tensão (Cortázar) | Onde está o instante que transforma o real?
Ideia (Borges) | Qual pensamento secreto está por trás da história?
Estrutura | Cada cena reforça o mesmo propósito?
Linguagem | O ritmo e o silêncio servem ao efeito?
Leitor | O texto convida à reflexão ou apenas informa?
A prática é amiga da perfeição
Nenhum grande contista nasce pronto.
A prática é a melhor aliada do escritor — a prática, não a pressa.
Reescrever, revisar, cortar, insistir: é nesse exercício que a linguagem se afina e o olhar se torna preciso.
Portanto, um bom conto exige paciência e repetição, como quem afia uma lâmina.
Escrever bem não vem de inspiração, mas de insistência.
É a constância — e não o talento puro — que transforma alguém em escritor.
Fique de olho nos concursos
Quem está começando a escrever contos deve acompanhar os concursos literários.
Eles são excelentes oportunidades para testar o texto, ganhar visibilidade e, acima de tudo, aprender com a prática.
Mesmo quando o resultado não vem, o simples ato de preparar um conto para envio já é um exercício de rigor, revisão e entrega.
Assim, cada tentativa lapida o olhar e aproxima o autor da sua voz própria.
Em resumo
Um bom conto é breve, mas não pequeno.
É feito de rigor, intensidade e pensamento.
E nasce quando o escritor, consciente da tradição, ousa condensar um universo inteiro numa página.





